Ainda no início de março, sob o título de “2018? O que nos espera?”, andei escrevendo sobre minhas perspectivas em relação aos desdobramentos finais dessa barafunda que estamos vivendo. Desde então, diante da sequência de fatos, venho adquirindo mais e mais convicção em relação àquelas perspectivas.
Alguns amigos mais próximos sabem que há anos sustento que a nossa jovem democracia é, na verdade, uma falácia. Há um desequilíbrio entre os Poderes que a compromete seria e profundamente.
A celebrada “Constituição Cidadã”, de 1988, nos deixou um legado que, embora sutil, está se mostrando desastroso. Talvez por conta do trauma do qual tentávamos nos livrar, ansiávamos pela construção de um “Estado de Direito”, fundado na lei e na Justiça, como garantia da sonhada democracia. E, sem nos darmos conta, escondemos um Leviatã debaixo de do manto de Dice, que, ao fim e ao cabo, transmutou em capenga nossa tão sonhada democracia.
O ideal de democracia formulado por Montesquieu presume um Estado fundado em três poderes autônomos, independentes e em que nenhum deles possa prevalecer sobre os outros e cada um se constituindo em um impedimento para o excesso dos outros.
No Brasil, esse princípio foi violado. Institucionalizou-se aqui um poder que prevalece sobre os demais de diversas formas.
Em primeiro lugar, impõe-se a estes de forma inquestionável: “decisões judiciais não se discute, se cumpre”. Costumo ilustrar os riscos desse “axioma” com uma situação alegórica que, embora absolutamente improvável (pelo menos, assim o espero), ilustra seu absurdo intrínseco (PS. Antes que algum jurista venha me linchar publicamente, lembro que se trata apenas de uma “alegoria ilustrativa”). Suponha-se que um louco entre com um processo de usucapião do Palácio do Planalto. Ora, até recentemente prevalecia a interpretação de que este instrumento não poderia ser aplicado a bens públicos. Entretanto, esta interpretação tem mudado por decisões judiciais. De todo modo, o pleito continuaria estapafúrdio, uma vez que o direito a usucapião pressupõe a ocupação do imóvel por um considerável período de tempo. Mas... imagine-se que a justiça acate o pedido! Agora imagine-se, mais ainda, que um juiz qualquer dê ganho de causa ao pleiteante. Imagine-se, agora que o governo federal recorra, arguindo a inconstitucionalidade do pleito. Pois bem, chegamos a um julgamento no Supremo Tribunal Federal. Imaginemos, por fim, que os onze juízes que compõem seu pleno, sabe-se lá por que razão, resolvam referendar a decisão inicial. No dia seguinte, veríamos em cadeia nacional de TV um oficial de justiça despejando a(o) Presidenta(e) de seu confortável escritório para que esse gaiato lá se estabelecesse... E NADA mais poderia ser feito!
Assim, o Judiciário, em todos os níveis, tem, reiteradamente, determinado a própria regra de funcionamento dos demais poderes, intervindo diretamente desde na aplicação dos Regimentos das casas do Legislativo até na nomeação de ministros no Executivo.
Não bastasse isso, o Judiciário vem usurpando as próprias atribuições dos demais poderes. Ao “interpretar” a aplicação das leis ou ao julgar sua constitucionalidade, o Judiciário tem, na verdade, exercido o papel de legislador. Os exemplos mais recentes estão nas questões da união homoafetiva e da pipoca nos cinemas. Em relação ao Executivo, são inúmeros os casos de atos que este poder é obrigado a tomar ou a cessar de praticar por decisão judicial de última instância; ou seja, sem direito a recurso. Ou seja, o Judiciário acaba, por vias indiretas, “executando”.
Vemos, portanto, que o Judiciário, no Brasil, de fato PREVALECE sobre os demais poderes.
Mas o mais grave não está aí. A outro fato que torna o desequilíbrio entre os poderes ainda mais grave e perigoso. O Poder Judiciário não está sujeito a nenhuma forma de controle externo, seja por parte dos outros poderes, seja por parte da sociedade. Desse modo, o princípio democrático de que cada um dos poderes deva ser um impedimento para os excessos dos demais. No nosso caso, nem mesmo a sociedade tem essa capacidade assegurada.
Aliás, é bom lembrar que o Judiciário sequer responde perante a sociedade sobre suas decisões. São incontáveis os casos nos quais uma decisão judicial flagrantemente equivocada produz resultados nefastos e que, mesmo após a constatação desses desdobramentos, o juiz em questão – diferentemente de quaisquer outras categorias profissionais – não é por elas responsabilizado.
O fato é que me preocupa enormemente ver confirmado o postulado de Lorde John Acton – historiador liberal inglês do século XIX (Viiiiixi!!! Olha eu aqui cintando um liberal!!!!!) – que sustentava que “o poder tende a corromper; o poder absoluto corrompe de maneira absoluta”...
O que estamos vendo, no meu entendimento, é apenas um processo no qual o poder está sendo tomado pelo poder que detém o poder de fato e de direito no país. É essa a grande diferença em relação a 64. Naquela ocasião, o Exército não dispunha do poder de direito, apena assumiu o poder de fato. Poder este que se tornou de direito no momento em que o STF lhe conferiu legalidade.
Neste momento, ao que tudo indica, aquele que controla o “condão” da legalidade decidiu assumir ele próprio as rédeas do processo, não a delegando para mais ninguém. Suspeito de algo que parece uma versão pós-moderno-tupiniquim de “o Estado são eles”!
O super-herói de agora não é mais o Incrível Hulk, aquele raivoso, violento e monstruoso “benfeitor” verde; mas o Batman, o cavaleiro das trevas, com sua capa negra.
Convém lembrar que 64 começou, na verdade, muito antes de 54; e que foi tentando inúmeras vezes antes do êxito final. Portanto, uma reversão no processo de impedimento da Presidenta ou uma vitória das forças progressistas em uma eventual eleição extemporânea, não significará que o Batman perdeu a guerra; terá perdido apenas a primeira batalha. As próximas serão, com certeza, muito mais aguerridas e acirradas. Preparemo-nos!
Admito que sou muito vaidoso, mas, algumas vezes, juro que preferiria estar errado...
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